Questões de Direito Sanitário da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

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Luciana trabalhou por vinte anos em uma empresa, possuindo plano de saúde na modalidade coletiva. Em outubro de 2020, Luciana descobriu que estava com câncer de mama, iniciando o tratamento médico adequado. Em janeiro de 2021, como já havia completado o prazo para aposentadoria por tempo de serviço, optou por requerê-la junto ao INSS, tendo se aposentado em março de 2021. No início de abril de 2021, Luciana compareceu à clínica em que fazia o tratamento, ocasião em que lhe foi informado que o plano havia sido cancelado em razão da aposentadoria, eis que se tratava de plano empresa. Luciana procura então a Defensoria Pública para resolver a questão.
O(A) Defensor(a) Público(a) deve orientar Luciana no sentido de que:

  • A não possui direito de continuar como beneficiária do plano em razão da aposentadoria, eis que se trata de plano coletivo empresarial;
  • B pode continuar como beneficiária, efetuando o pagamento nos mesmos valores que pagava na modalidade de plano empresarial;
  • C pode continuar como beneficiária do plano, eis que a hipótese é de urgência, sendo a carência de 24 horas, nos termos da lei;
  • D não terá direito à indenização por dano moral, pois a negativa de cobertura de tratamento configura mero aborrecimento;
  • E pode continuar como beneficiária do plano de saúde, desde que assuma seu pagamento integral.

“Em 30/01/2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que o surto de COVID-19 constitui uma emergência de saúde de importância internacional – o mais alto nível de alerta da Organização. Em 11/03/2020, a OMS anunciou que uma nova doença com alto poder de contágio e de grande velocidade de transmissão havia se espalhado pelo mundo. E criou, para todos nós, um novo vocabulário. Nós, hoje em dia, já sabemos o que é COVID-19, pandemia, isolamento horizontal e vertical, achatamento da curva, imunidade de rebanho etc. Há um novo vocabulário com palavras que, até ontem, ou nós não conhecíamos, ou nunca tínhamos usado, e agora se tornaram correntes na nossa vida” (trecho do voto do Min. Luís Roberto Barroso no julgamento da ADI 6421 pelo Supremo Tribunal Federal).
Ao longo do ano de 2020, várias questões relacionadas ao enfrentamento da pandemia chegaram, em sede de Jurisdição Constitucional, ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal, gerando inúmeras decisões sobre o tema.
À luz dessa jurisprudência, que delineou a correta interpretação e aplicação do regime jurídico relativo ao enfrentamento da pandemia, é correto afirmar que:

  • A o SUS é a materialização do que no Direito Alemão se chama federalismo cooperativo. Por isso, compete ao Estado verificar e determinar se em certo Município é necessário ou não interditar bares e restaurantes locais em virtude da proliferação do vírus;
  • B as regras de repartição de competências administrativas e legislativas deverão ser respeitadas na interpretação e aplicação da Lei nº 13.979/2020. Tal condomínio legislativo deve ser interpretado à luz do princípio da preponderância dos interesses. Por isso, um Estado YY que esteja em fase de Risco Máximo para COVID-19, com elevado índice de casos, óbitos e taxa de internação hospitalar de COVID-19 em seu território, não poderá determinar medidas mais restritivas de contenção da mobilidade social sem prévia pactuação dos Municípios na Comissão Intergestores Bipartite (CIB);
  • C a fiel observância ao princípio da separação de poderes e da forma federal de organização do Estado, assim como às diretrizes constitucionais da descentralização e hierarquização do Sistema Único de Saúde, é essencial na interpretação da Lei nº 13.979/2020. Nesse passo, um Município XX que apresente em seu território Risco Alto para COVID-19, com elevado índice de casos, óbitos e taxa de internação hospitalar de COVID-19, não necessita de autorização do Estado do qual faz parte para adotar medidas mais rígidas de contenção da mobilidade social, ainda que integre Região de Saúde que, segundo o Plano Estadual de Retomada, esteja em situação de Risco Moderado;
  • D a Lei nº 13.979/2020 configura norma geral em matéria de proteção e defesa da saúde (Art. 24, §1º, CRFB/1988). E é ínsito ao regime das competências concorrentes que a União Federal, ao editar normas gerais, limite o espaço de atuação dos demais entes federativos, o que é condizente com o papel da União de coordenar o sistema nacional de saúde de vigilância sanitária e epidemiológica (Art. 16, III, c) e d), da Lei nº 8.080/1990). Nessa ordem de ideias, previsto pela União Federal que o serviço X é essencial e, portanto, não poderá ser impactado pelas medidas de enfrentamento à pandemia da COVID-19, o Município YY não poderá dispor ao contrário no exercício da competência legislativa suplementar para atender interesse local. É absolutamente inviável que cada Estado ou Município defina o que são serviços essenciais e, portanto, conforme sua conveniência e oportunidade, interfira gravemente no abastecimento nacional, no fornecimento de medicamentos e na circulação necessária de pessoas e bens;
  • E a Constituição da República de 1988 confere ênfase à autonomia local ao mencionar os Municípios como integrantes do sistema federativo (Art. 1º, da CRFB/1988) e ao fixá-la junto com a autonomia dos Estados e do Distrito Federal (Art. 18, da CRFB/1988). A essência da autonomia contém primordialmente (i) autoadministração, que implica capacidade decisória quanto aos interesses locais, sem delegação ou aprovação hierárquica; e (ii) autogoverno, que preceitua que os entes possuem diploma constitutivo e competências legislativas próprias. Em alguns casos, como o das regiões metropolitanas, há interesses comuns entre Municípios do agrupamento urbano que podem configurar um interesse regional. Nessa lógica, pode o Poder Público estadual estabelecer medidas mais rígidas de contenção da mobilidade social para uma determinada Região de Saúde que apresente risco elevado de casos, óbitos e taxa de internação hospitalar, ainda que algum Município integrante da referida Região de Saúde esteja em situação de Risco Moderado para COVID-19.

Sobre violência obstétrica, analise as afirmativas a seguir.


I. São condutas praticadas por qualquer profissional de saúde, que, de forma verbal, física ou psicológica afetem a mulher durante a gestação, o parto, o pré-parto, o período do puerpério ou ainda em situação de abortamento.

II. Segundo o Ministério da Saúde, em pronunciamento oficial, o termo “violência obstétrica” tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério, pois acredita-se que, tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas, não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano.

III. O caráter psicológico da violência obstétrica se expressa em qualquer ação verbal ou comportamental que causa na mulher sentimento de inferioridade, de vulnerabilidade, de abandono, de instabilidade e de coação.


Está correto o que se afirma em:

  • A somente II;
  • B somente III;
  • C somente I e II;
  • D somente II e III;
  • E I, II e III.

Nos últimos meses, os meios de comunicação divulgaram amplamente que a versão preliminar do relatório da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial previa a extinção dos valores mínimos a serem aplicados em saúde e educação pela União, Estados e Municípios.
Sobre o financiamento da saúde e a jurisprudência aplicável sobre o tema, é correto afirmar que:

  • A os planos de saúde são a base das atividades e programações de cada nível de direção do SUS, e seu financiamento será previsto na respectiva proposta orçamentária. É vedada a transferência de recursos para o financiamento de ações não previstas nos planos de saúde, exceto em situações emergenciais ou de calamidade pública, na área da saúde;
  • B os recursos destinados ao custeio de ações e serviços públicos de saúde transferidos pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, e pelos Estados a seus respectivos Municípios, são considerados transferência obrigatória. Por isso, é vedado o condicionamento dessas transferências à instituição e ao funcionamento do Fundo e do Conselho de Saúde no âmbito do ente da Federação e à elaboração do Plano de Saúde;
  • C não atenta contra a Constituição da República de 1988, a emenda à Constituição que, objetivando adequar o texto constitucional às variações ocorridas nos campos político, econômico e social, retire os pisos mínimos de custeio das ações e serviços públicos de saúde, uma vez que permanece hígida a previsão constitucional (artigos 5º, 6º e 196) do dever do Estado de proteção ao direito fundamental à saúde e à vida;
  • D a União aplicará, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde no mínimo 15% da receita corrente líquida do respectivo recurso financeiro. Os Estados e os Municípios, por sua vez, aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde, 12% e 25%, respectivamente, da receita vinculada prevista na Constituição da República de 1988, deduzidas, no primeiro caso, as parcelas que forem transferidas aos Municípios. O repasse dos recursos correspondentes ao piso mínimo de custeio das ações e serviços públicos de saúde será feito diretamente ao Fundo de Saúde do respectivo ente da Federação e, no caso da União, também às demais unidades orçamentárias do Ministério da Saúde;
  • E com esteio no modelo de determinação social do processo saúde-doença e para fins de apuração da aplicação dos recursos mínimos em saúde, considerar-se-ão como despesas com ações e serviços públicos de saúde aquelas (i) destinadas às ações e serviços públicos de acesso universal, igualitário e gratuito; (ii) que estejam em conformidade com objetivos e metas explicitados nos Planos de Saúde de cada ente da Federação; e (iii) que sejam de responsabilidade do setor de saúde, incluindo as despesas relacionadas a outras políticas públicas que atuam sobre determinantes sociais e econômicas incidentes sobre as condições de saúde da população.

João, acometido de doença grave, necessita fazer uso contínuo dos medicamentos X e Y sob risco de agravamento do seu quadro de saúde e óbito. Sem condições de arcar com a compra dos referidos medicamentos, João procura o Núcleo de Primeiro Atendimento da Defensoria Pública de Italva, município de sua residência, munido de prescrição médica que atestava a imprescindibilidade do uso contínuo de tais medicamentos em face da gravidade do seu quadro de saúde. Assistido pela Defensoria Pública, João ingressou com ação judicial na Justiça Estadual, postulando a condenação do Município de Italva e do Estado do Rio de Janeiro ao fornecimento dos medicamentos X e Y, indispensáveis à manutenção de sua saúde e própria vida. O pedido liminar foi acolhido em 2017, e em 2020 foi prolatada sentença confirmando a decisão que antecipou os efeitos da tutela. Inconformado, o Estado do Rio de Janeiro recorreu alegando ilegitimidade passiva no tocante ao medicamento X, pois que ele integra a Relação Municipal de Medicamentos de Italva, e a improcedência do pedido em relação ao medicamento Y, pois que ele não é incorporado ao SUS, e João não comprovou no bojo da instrução processual a ineficácia da alternativa terapêutica existente na Relação Estadual de Medicamentos.
À luz da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, é correto afirmar que o apelo do Estado:

  • A não pode ser provido em relação ao pleito de fornecimento do medicamento Y, porque o autor apresentou prescrição médica comprovando a necessidade do seu uso contínuo para a manutenção de sua saúde e própria vida e, no caso, tal documentação era suficiente;
  • B deve ser provido, em parte, apenas no tocante ao pedido de fornecimento do medicamento X, pois que o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento de que compete à autoridade judiciária direcionar o cumprimento da obrigação conforme as regras de repartição de competências administrativas no SUS;
  • C não pode ser provido em relação ao pleito de fornecimento do medicamento X, porque a responsabilidade nas demandas prestacionais na área da saúde é solidária. Mas o cumprimento da sentença, segundo o novo posicionamento do Supremo Tribunal Federal, deve ser direcionado ao Município de Italva, não podendo o Estado arcar com tal ônus financeiro;
  • D deve ser provido, pois que, de fato, em relação ao medicamento Y, era necessária a comprovação da ineficácia da alternativa terapêutica existente na Relação Estadual de Medicamentos para o tratamento da moléstia e, com relação ao medicamento X, o Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento vinculante de que, nas demandas prestacionais na área da saúde, o juiz deve observar as regras de repartição de competências administrativas no SUS;
  • E deve ser provido, em parte, apenas no tocante ao pedido de fornecimento do medicamento Y, pois o Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento de que a concessão judicial de medicamentos não incorporados ao SUS exige a comprovação, pelo autor, por meio de laudo fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente, da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS.